Reli, na semana passada, “O conto da Ilha Desconhecida”, do português José Saramago. Lembrei que há muito tempo Saramago caminha pelo meu desejo. Nosso primeiro encontro foi ano passado, num sebo de rua, em plena feira de domingo do Largo da Ordem, em Curitiba. Era domingo e podíamos caminhar pelas ruas – trocadas as roupas dos medos, que eram outros. No conto, somos conduzidos pelo desejo de um homem em descobrir uma Ilha Desconhecida; seu desejo o leva até a porta das petições de um rei, para o qual pede um barco que o conduza à sua descoberta. A desconhecida Ilha em que nos lançamos, alguma vez na vida, para distantes de nós mesmos, nos encontrarmos. Mas não é dessa Ilha que falo agora.
Falo de outra ilha imaginária construída num espaço real e vulnerável. Palotina acredita-se uma Ilha em meio à pandemia. Intocável. Inacessível a um vírus que já registra oitenta mil mortes por todo o mundo – aproximadamente setecentas só no Brasil [1].
Na contramão das medidas adotadas pelo Estado, por recomendação da Organização Mundial de Saúde, a OMS, e do Ministério da Saúde, no dia 27 de março, a Prefeitura Municipal de Palotina, comandada pelo prefeito Jucenir Stentzler, do Partido Social Cristão, o PSC, publicou o decreto nº 9.653, revogando o decreto nº 9.649, estabelecendo a reabertura do comércio à partir do dia 30 de março. Novo decreto publicado no dia 06 de abril restringiu atividades, mas ainda permite a livre circulação de pessoas pelo comércio, expondo principalmente trabalhadoras e trabalhadores ao novo coronavírus.
O mesmo equívoco cometido pelo governo italiano, quando encabeçou a campanha #MilãoNãoPara, desconsiderando o avanço da doença. Em 27 de fevereiro, a Itália registrava 12 mortos. Hoje, são mais de dezessete mil mortes registradas por Covid-19 no país.
A cidade construída por descendestes de imigrantes italianos e alemães, que leva em seu nome uma homenagem ao santo ítalo São Vicente Palotti e seus seguidores, os padres Palotinos, é uma cidade ilhada no seu egoísmo e irresponsabilidade social. Cidade ilhada na ignorância, na falsa fé cristã, na falta de empatia, onde apenas o argumento econômico tem validade. As ruas continuam cheias, as pessoas seguem acreditando que estão imunes e distantes de tudo.
O prefeito, com bíblia e o padroeiro da cidade ao fundo, dialoga com a população em incansáveis transmissões ao vivo pelo facebook, evidenciando aqueles que estão ao seu lado e disputarão o próximo pleito eleitoral. Cidadãos armados com whatsapp e argumentos sem fundamentação científica, endossam o coro da ignorância evocado pelo presidente da República, aquele que governa para 10% da população que concentra 55% da riqueza nacional. Os mesmos 10% da população que não está exposta nas ruas.
A morte, hoje, no Brasil, é uma escolha política.
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[1] Ao começar a redigir esse texto, eram sessenta mil mortes por Covid-19 registradas em todo o mundo, dezesseis mil na Itália e quinhentas no Brasil.
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